4 de set. de 2011

Cade investigará créditos consignados do Banco do Brasil

Pela primeira vez na história do direito antitruste brasileiro, a instrução e o julgamento de um processo administrativo será feito pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

O processo em questão é o 08700.003070/2010-14, que trata de denúncia feita pela FESEMPRE - Federação Interestadual dos Servidores Públicos dos Estados do Acre, Alagoas, Amapá e outros sobre contratos de exclusividade para fornecimento de crédito consignado a servidores públicos, realizados pelo Banco do Brasil S.A.

Durante a Sessão de Julgamento 498, realizada em 31 de agosto, o conselheiro relator Marcos Paulo Veríssimo decidiu instaurar, tendo em vista da inação tanto da Secretaria de Direito Econômico-MJ quanto do Banco Central do Brasil, Processo Administrativo Sancionador em desfavor do Banco do Brasil a fim de apurar as práticas relatadas pela FESEMPRE.

Além disso, concedeu Medida Preventiva destinada a:
“(a) determinar ao Representado a cessação imediata da assinatura de quaisquer novos contratos contendo cláusula de exclusividade de consignação em pagamento, ou de cláusulas que exijam dos órgãos responsáveis pelo pagamento dos vencimentos de seus potenciais clientes dessa modalidade de crédito quaisquer benefícios concedidos a si que não possam ser também estendidos a todos os seus demais concorrentes, especial mas não exclusivamente no que diz respeito a prazos, margens e custos, ou que de qualquer forma restrinjam o acesso de tais clientes às operações de crédito ofertadas por outras instituições;
(b) determinar ao Representado a suspensão imediata quaisquer acordos atualmente vigentes que tenham ou possam vir a ter os escopos referidos no item (a), acima;
(c) determinar ao Representado que comunique o teor da presente decisão, individualmente, a todos os servidores públicos que com ele tenham, atualmente, contratos vigentes de crédito consignado, informando-os, ainda, da possibilidade de quitação antecipada de seus contratos, na forma dos normativos do Banco Central do Brasil atualmente em vigor, atinentes à chamada “portabilidade” de créditos;
(d) determinar ao Representado que apresente ao CADE, no prazo de 20 dias contados da apresentação de sua defesa, cópias de todos os contratos envolvendo práticas coincidentes com aquelas referidas no item (a), acima, assinados desde 2006, especificando, em relação a cada contrato, o número e volume total de operações de crédito consignado delas decorrentes, incluindo tanto as operações atuais quanto as já liquidadas, bem como seus respectivos valores e prazos médios, além das taxas de juros nelas praticadas;
(e) determinar que o Representado faça publicar, em 2 (dois) jornais de grande circulação do território brasileiro, no prazo de 15 dias contado de sua intimação desta decisão, o teor do item 143 da presente medida preventiva.”

Na hipótese de descumprimento da Medida Preventiva concedida, o conselheiro fixou multa diária de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), equivalente a aproximadamente 0,000002% da carteira atual de crédito consignado a servidores públicos.

Em 01/09/2011, o Banco do Brasil emitiu nota na qual rebateu a decisão do Cade. A diretoria do BB ressaltou que tomou conhecimento da divergência por notícias da imprensa e disse que aguarda comunicação formal do Cade para analisar todos os aspectos da situação para adotar as providências jurídicas cabíveis. O banco alega que segue o entendimento da Advocacia-Geral da União (AGU), de que o assunto é objeto de regulamentação do Banco Central (BC), efetivada na Circular 3.522, de janeiro deste ano. Até então, o BC não estabelecia restrições para esse tipo de convênio. O BB admite que os contratos anteriores previam exclusividade e diz que pretende “exercer zelo pelo cumprimento das cláusulas pactuadas”, mas enfatiza que, de janeiro em diante, nenhum contrato traz cláusula de exclusividade para o crédito consignado.

A nota do BB esclarece que “o consignado é parte dos benefícios fornecidos pelos bancos, sob demanda, aos contratantes – estados e municípios. É o agente pagador, portanto, quem contrata o banco e determina as condições de operação do consignado”. Êta argumentozinho vagabundo!

O banco destaca também que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece ser prerrogativa do Poder Público autorizar, ou não, o consignado em folha de pagamento, uma vez que o empréstimo tem custo para a administração municipal, a quem cabe optar “pelo melhor critério de escolha das credenciadas, entre as que oferecem mais vantagem ao Erário público”.

O BB reafirma, portanto, a legalidade e legitimidade dos contratos vigentes de exclusividade do consignado, realizados até janeiro, ao contrário do entendimento do Cade, órgão antitruste do Ministério da Justiça, que decidiu abrir investigação contra o banco para apurar “possíveis irregularidades” nos contratos em vigor.

Com a medida, o Cade fez aquilo que o Banco Central não teve coragem de fazer. Aliás, os bancos federais têm total liberdade para cometerem irregularidades: para eles não existe fiscalização.

Particularmente, não boto muita fé na manutenção da medida preventiva. Há muito deixei de acreditar que neste país prevaleça o primado do Direito. Acordos ainda serão tramados nos gabinetes oficiais. Apenas para registro: Marcos Paulo Verísssimo é graduado em Direito pela USP, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. Tem experiência na área de direito público, com ênfase em direito constitucional, direito econômico, regulação e concorrência, teoria do processo e sociologia dos tribunais. Só falta vir um zé-mané do Bacen ou do BB dizer que ele não entende nada do assunto.