18 de jan. de 2010

Alforria já para Restinga Seca


Tramita na comarca de Restinga Seca, no Rio Grande do Sul, uma ação interposta pelos sindicatos dos servidores públicos e dos professores municipais contra a prefeitura local, que teria firmado contrato com o Banco do Estado do Rio Grande do Sul, prevendo exclusividade na concessão de crédito consignado. Na visão do juiz Eduardo Giovelli, a cláusula de exclusividade é abusiva e não possui amparo legal. Enfatizou que o princípio da liberdade de iniciativa presente na Constituição Federal privilegia o direito de todos exercerem as atividades comerciais plenamente, e a possibilidade de intervenção do Estado é limitada pela lei. Afirmou ainda estar presente a presença de dano irreparável, justificando a concessão de liminar, pois os servidores encontram-se impedidos de contratar qualquer outra instituição financeira na mesma modalidade de crédito, que em razão da maior garantia de pagamento possui taxas de juros menores. Por fim, lembrou que a exclusividade possibilita, inclusive, que o Banrisul utilize taxas maiores que as praticadas no mercado. A ação segue seu curso. Mas ninguém se empolgue...


Em decisão anterior (11/03/2009), a 2ª Câmara Cível do TJRS já havia manifestado entendimento diverso, baseada no argumento de que “a impossibilidade de se descontar em folha empréstimos realizados com outras instituições financeiras não acarreta prejuízo aos servidores”. Pela total ausência de respeito ao direito de opção dos funcionários (potenciais tomadores de crédito), vale transcrever trecho do voto do relator: “Assim, tudo leva a crer que as cláusulas de exclusividade em tela, objetivaram, além de gerar receita, evitar que a Administração seja compelida a celebrar convênios com estabelecimentos bancários diversos toda vez que um dos seus servidores obtenha crédito, cuja forma de pagamento seja mediante desconto em folha. Nestas circunstâncias, verifico risco de dano afeto ao agravante, visto que, caso fosse suspensa a referida cláusula de exclusividade, a Administração estaria sujeita a realização de convênios outros para consignação em folha de pagamento de descontos efetuados sobre os vencimentos ou salários de servidores, que não lhe podem ser impostos. Por outro lado, aos servidores não haverá qualquer prejuízo, porque não há vedação de contratarem empréstimos com outras instituições financeiras, apenas não é possível o desconto em folha.” (dei o destaque porque não consegui resistir a tamanha falta de consideração com quem paga a conta pelo empréstimo). Com isso, foi cassada a liminar concedida pelo juízo monocrático, que havia suspendido a exclusividade concedida pela Prefeitura Municipal de São Nicolau ao Banco do Brasil na concessão de créditos consignados aos servidores municipais. Resumo da ópera: a 2ª Câmara Cível do TJRS entende que a exclusividade é justificável e lícita porque: 1) gera receita para a prefeitura; 2) evita trabalho para a prefeitura. E os servidores que se conformem.

No âmbito do Tribunal de Contas da União (que não integra o poder judiciário, fique isso bem claro), o assunto também é controverso. Ao analisar o contrato entre o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (Goiás) e o Bradesco que previa, em uma das cláusulas, a exclusividade na concessão de crédito consignado aos servidores (processo 013.526/2004-4), a Secretaria de Controle Externo do TCU em Goiás concluiu que:

A legislação que dispõe sobre empréstimo para consignação em folha de pagamento apenas determina que só poderá haver consignação em folha a favor de terceiros ‘a critério’ da Administração (art. 45 da Lei 8.112/90). No entanto, concordamos com o sindicato no que concerne à exclusividade com o Bradesco ter ferido o princípio da razoabilidade, eis que houve restrição à liberdade de escolha do servidor em negociar com outras instituições financeiras, empréstimos em taxas menores, podendo ser argüida à luz do proclamado pelo caput do artigo 5º da Constituição Federal. A faculdade que a Administração possui para cadastrar entidades habilitadas em consignar empréstimos na folha dos servidores não pode ensejar desrespeito ao direito constitucional da liberdade. Neste diapasão, a Corte do Trabalho poderia, por exemplo, admitir em contrato, pelo menos, a possibilidade de indicação de mais duas instituições bancárias, pelos servidores, para que não fosse caracterizado abuso de poder ou excesso de discricionariedade.”

Apreciando o assunto, o relator, Ministro Ubiratan Aguiar, afirmou: “... ressai dos autos que a exclusividade conferida ao Banco Bradesco não foi arbitrária. Pelo contrário, reflete a contrapartida de um contrato que atende ao interesse público. Saliente-se porém que dessa exclusividade não poderá resultar prejuízos irreparáveis aos servidores do TRT/GO, como a imposição de taxas acima das praticadas no mercado.”

Já o revisor (Auditor Augusto Sherman Cavalcanti) defendeu tese contrária à do relator, ao considerar que “... a tendência dos regramentos atinentes a essa matéria é a ampliação do leque de instituições que podem ser escolhidas para a contratação de empréstimos em consignação em folha, exigindo-se apenas, em alguns casos, a satisfação de determinados requisitos pelas empresas consignatárias. ... Com a coibição dos excessos, deve ser incentivado o máximo de concorrência entre as instituições disponíveis nesse ramo, em benefício do trabalhador, seja do setor público ou da esfera privada, que assim pode conseguir melhores taxas de empréstimo.” Aduz, ainda, que mesmo que o órgão viesse a impor taxas máximas a serem praticadas pela instituição financeira, ainda restaria aos servidores daquele órgão a possibilidade e o direito de conseguir taxas melhores caso a concorrência fosse incentivada. Para o revisor, apesar de a Lei 8.112/90 estipular que essas operações serão realizadas a critério da Administração e conforme regulamento por ela editado, isso não significa que a Administração possa optar por exclusividade de instituição financeira, pois a discricionariedade administrativa encontra limites no princípio da razoabilidade, no direito dos servidores e no tratamento isonômico de instituições que se mostrem capazes de atender adequadamente ao financiamento. Por isso, não era razoável que o ente público, sob o argumento de estar sendo beneficiado, tivesse incluído em suas negociações cláusula que restringisse a operação prevista no parágrafo único do art. 45 da Lei 8.112/1990 a uma única instituição financeira, sem considerar o direito de seus servidores de escolher, ainda que dentro de limites, com quem contratar empréstimos consignados.

Esses argumentos foram acolhidos pelo relator, que reconheceu, em voto complementar, a tendência do ordenamento no sentido de privilegiar a competitividade, em benefício dos servidores públicos, que dessa forma podem livremente contratar com a instituição financeira que mais atenda aos seus interesses, e não os de seu empregador. Afinal, quem paga a conta é o funcionário.

Estou torcendo para que o entendimento do juiz Eduardo Giovelli prevaleça e seja decretada, definitivamente, a alforria ao funcionalismo de Restinga Seca.

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