19 de jan. de 2010

O crédito consignado, o IOF e a tal portabilidade


Repudio todo monopólio outorgado a alguém pelo poder público, mas admiro empresas que conquistam o monopólio por opção do consumidor, como contrapartida por oferecerem um serviço de excelência a preços mais justos.


Já tive a oportunidade de comentar (post de 02/01/2010) sobre o decreto oligopolista do governo do Espírito Santo, que, restringindo a oferta de empréstimos consignados ao BB, Caixa e Banestes, pretende assegurar menor taxa de juros e/ou o alongamento do perfil da dívida do servidor, minimizando o impacto das dívidas no orçamento pessoal do servidor, com a redução do custo do endividamento. Concordo plenamente com os argumentos, mas nada com o remédio adotado. Alguém precisa ensinar aos governantes que os fins não justificam os meios. Apesar dessa reserva de mercado, fui surpreendido ao tomar conhecimento de que um dos integrantes do recém formado cartel capixaba do consignado – o Banestes – está praticando taxas de juros de 1,30% a 1,49% ao mês, conforme o prazo de pagamento. Com isso, o banco estadual força os federais a trilharem idêntico caminho ou os alija do mercado.


Se o Banestes aliar juros desse nível a um serviço de primeira, certamente poderá sugerir ao governador que revogue o malfadado decreto. O que me assusta é que 2010 é um ano eleitoral, o que me leva a conjecturar que taxas assim sejam mantidas somente até o mês de outubro. É esperar pra ver. Mas não foi para discutir monopólios, oligopólios ou cartéis que toquei no assunto. Afinal, o título desta postagem faz menção ao IOF, e é sobre esse tributo que eu quero falar.


Ao alardear as taxas de juros do crédito consignado, a assessoria de imprensa do Banestes juntou uma tabela de simulações para valores de R$ 1 mil a R$ 100 mil, em prazos de 6 a 60 parcelas e o respectivo CET (Custo Efetivo Total). Tudo muito bonito e aparentemente correto. E foi aí que uma pulga beliscou a minha orelha. A tabela do Banestes é clara em ressalvar que empréstimos com prazo de 60 parcelas são exclusivos para as operações de compra de dívida. E compra de dívida é o mesmo que portabilidade de crédito. Traduzindo: o servidor público só pode tomar empréstimos em 60 parcelas se optar pela portabilidade de crédito. Sim, você leu direitinho: portabilidade de crédito. Muita gente sabe, mas não custa repetir o que é isso. Para não ser acusado de estar inventando, eu copio a lição do site do Banco Central (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/mudandodebanco.asp):


Portabilidade do Crédito

O que é?

Permite que o cidadão transporte seu saldo devedor para outro banco que ofereça melhores condições contratuais que o banco original.

Como fazer?

O cliente, após escolher a nova instituição financeira com a qual irá operar, quitará seu saldo devedor junto ao banco original com recursos transferidos eletronicamente pela nova instituição. O seu saldo devedor passará a ser devido à nova instituição escolhida, sob as condições negociadas entre ela e o cliente.

Quanto custa?

Os custos relativos à transferência eletrônica necessária para quitar o saldo devedor não podem ser repassados ao cliente.


O BACEN silenciou, mas nos casos de portabilidade a alíquota do IOF é zero, conforme o inciso XXV do art. 8º do Decreto 6.306, de 14 de dezembro de 2007. Para poupar o tempo do leitor, vou transcrever:


“Art. 8º A alíquota do imposto é reduzida a zero na operação de crédito, sem prejuízo do disposto no § 5º:

...

XXV – realizada por uma instituição financeira para cobertura de saldo devedor em outra instituição financeira, até o montante do valor portado e desde que não haja substituição do devedor.”


Ou seja: na portabilidade de crédito o cliente também tem a vantagem de não lhe ser cobrado o IOF – Imposto sobre Operações Financeiras. E foi justamente isso que me chamou atenção... Se a taxa divulgada para 60 meses é de 1,49% ao mês, por que será que o CET correspondente é de 1,68% ao mês? Afinal, se o IOF não é cobrado na compra de dívida, qual a razão de elevação do custo mensal em pouco mais de 0,20 ponto percentual? Posso até jurar que não se trata de nenhuma tarifa ou seguro.


Lembrei-me de que em outra reportagem o diretor comercial do Banestes, Ronaldo Hoffmann, defendia a migração para os públicos dizendo: "Há uma indústria de pastinhas que abordam os clientes de forma ostensiva visitando as pessoas no trabalho e em casa, até nos fins de semana. Com tanta facilidade para tomar crédito, o cliente nem faz conta dos juros.” Pelo que deu pra notar, com tanta facilidade oferecida pelo Banestes, o cliente também não deve fazer conta do IOF. E nem se imagine que é pouco. Num empréstimo de R$ 100 mil em 60 meses, a coisa beira os R$ 4 mil.


Ninguém pense que cobrar IOF em operação não sujeita à cobrança é uma prática exclusiva do Banestes. É só olhar as tabelas de coeficientes de qualquer banco (o coeficiente, como se sabe, é um fator a ser aplicado sobre o somatório do valor total do empréstimo – valor liberado ao cliente mais tarifas –, que resulta no valor da prestação). Dou uma fatia de bolo de rolo para quem consultar as tabelas de coeficientes de qualquer banco e achar, para o mesmo prazo e taxa de juros, coeficientes diferentes conforme o tipo de operação (nova ou para compra de dívida).


E você, garboso cliente que morreu na grana, vai reclamar a quem? Receita Federal? Nem pensar. Ou alguém pensa que os auditores da Receita vão perturbar o juízo de algum banqueiro pelo fato de eles estarem engordando o erário à custa do contribuinte? Talvez o Banco Central? Também nem pensar. Lá, você reclama, eles mandam sua reclamação para o banco, e pedem que ele se entenda direto com você. Funciona igualzinho a um posto dos Correios. Meu conselho: vá direto ao PROCON ou ao Poder Judiciário, não sem antes tentar a ouvidoria do banco. Mas fique desde já sabendo que, na maioria dos casos, ela só vai mesmo ouvir o caso. Lembre-se que ela é uma ouvidoria. Se fosse para resolver o caso, ela seria uma “resolvedoria”.


Aí você pergunta: mas se a arrecadação do IOF vai para a Receita, por que diabos os bancos cobram isso do cliente, quando poderiam utilizar a não-cobrança como argumento de venda? Não sou maldoso ao ponto de sugerir que, assim procedendo, os bancos aumentam o volume de suas carteiras e, com isso, recebem mais juros. Longe de mim! Particularmente, gostei da desculpa inventada por um ex-diretor de um banco, quando interpelado sobre o assunto: “o pessoal da informática está trabalhando para adequar o nosso sistema” (na verdade ele falou “a turma de IT”, pronunciando “ái-ti”, tal como se diz em países de língua inglesa). Muito prático! Terceirizar a culpa para o pessoal da informática já se tornou uma praxe no meio bancário. Mas considerando que a alíquota zero na portabilidade de crédito existe desde outubro de 2006, quando foi editada a Portaria nº 301 do Ministério da Fazenda, e que essa adaptação está longe de ser complicada, podemos convir que 4 anos é muito tempo.


Outros foram ainda mais criativos (e pelo menos livraram a cara do pessoal da informática). Eu mesmo já vi muita gente de banco deitando falação sobre o assunto ao citar supostos formulários que seriam exigidos para que o cliente exercesse o sagrado direito à portabilidade de crédito, e sem os quais “a coisa não rolava”. Após pesquisar as normas do Banco Central do Brasil sobre o tema (Resoluções nº 3.401 e 3.516, Circular nº 3.336 e Cartas-Circulares nºs 3.295 e 3.349), não encontrei um mísero artigo que disciplinasse os tais formulários. Nem um paragrafozinho! Sequer uma nota de rodapé... Daí minha conclusão de que os ditos formulários são apenas uma engenhoca complicadora, fruto da mente criativa de algum bancário empedernido em reter o saldo devedor do cliente por mais tempo, talvez confundindo (propositalmente ou por ignorância) portabilidade de crédito com portabilidade de informações cadastrais. Mas não estou aqui para acusar ninguém. O certo é que quando o assunto é a cobrança do IOF, os bancos preferem ficar calados.


Eu, se fosse dono de banco, não teria dúvidas: chamava o pessoal da informática agora e mandava ajustar o sistema até o final do expediente. E de manhã bem cedo já estava oferecendo ao povo a portabilidade de crédito, com tudo que eles tivessem direito. E sem formulário.


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