2 de jan. de 2010

Como os governos montam monopólios e cartéis à custa dos servidores


Não resisti e resolvi voltar ao tema da exclusividade na concessão de empréstimos consignados. É que cada vez que penso nisso, fico engasgado. A todo instante aparece um prefeito ou um governador justificando a medida sob um discurso de defensor do funcionalismo. Pois aí vai uma sugestão: querem ser bonzinhos? Pois aumentem o salário do pessoal! O que não dá para engolir é essa parolagem flácida para acalentar bovinos. Qualquer idiota, economista ou não, sabe que monopólio nunca existiu para facilitar a vida do consumidor. E todos sabem também que os cartéis operam como se fossem um monopólio.

No Espírito Santo, o “amigo oculto” presenteou os funcionários com o cartel das instituições públicas. Alguém acredita mesmo que elas vão concorrer entre si? Nem o Papai Noel! É óbvio que, por trás desse “ato de proteção aos servidores”, o esperto governo capixaba teve algum ganho. Nem discuto o fato de que a concessão do privilégio se deu sem licitação, o que é mais uma aberração. Afinal, “a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração...” (art. 3º da Lei 8666). Quando se discute a obtenção de crédito pelo servidor, a vantagem tem que ser direcionada para o servidor, e não para quem simplesmente procede à averbação do desconto na folha de pagamento.

No Estado de Mato Grosso, por exemplo, foi feita uma licitação e escolhidos os bancos BGN (R$ 750.001,00), Cruzeiro do Sul (R$ 630.000,00), BMG (R$ 610.000,00), Safra (R$ 603.000,00) e Rural (R$ 601.950,00), além da seguradora Capemisa (R$ 350.000,00). Com o credenciamento, o Governo do Estado arrecadou aproximadamente R$ 3,5 milhões para seus cofres, e que supostamente deverão reverter em obras e aparelhamento do Poder Executivo Estadual.

As propostas podem até ter sido vantajosas para a Administração (isso ninguém duvida). O que eu procuro, todavia, é descobrir qual a vantagem disso tudo para o servidor, que é, afinal, quem vai obter o empréstimo e pagar por ele. Onde está a livre concorrência? Ao que parece, foram ouvidas as palavras do imaginário Deputado Justo Veríssimo: “Eu quero que pobre se exploda!”. Diz a Constituição Federal de 1988:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

...

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;”

No tocante à concessão de crédito consignado, sou de opinião de que não se pode conceder exclusividade a uma ou algumas instituições financeiras, pois essa prática fere o princípio constitucional da livre concorrência, limitando o servidor a um único banco ou a um reduzido rol de ofertas para a obtenção de empréstimo consignado, não lhe proporcionando opção de escolha de serviços e juros melhores. Não é possível estabelecer exclusividade a instituição financeira no que se refere à concessão de empréstimos consignados, mesmo que a contratação seja precedida de licitação, uma vez que isso restringe os direitos dos funcionários enquanto consumidores, assim como os sujeita às condições de crédito de uma única ou pouquíssimas instituições financeiras. O fato de a Administração Pública só poder contratar a movimentação dos seus recursos púbicos com instituição financeira oficial não lhe garante a prerrogativa de limitar as opções de créditos consignados de seus funcionários, principalmente obtendo vantagens pecuniárias dessa situação.


4 comentários:

  1. Anônimo15/1/10

    O prefeito Kassab assinou hoje 15/01
    um convênio com o Banco do Brasil onde consta clausula de esclusividade no consignado para os 211 mil servidores de Sao Paulo alem de inconstitucional monopolizou o credito , no inicio da semana foi publicado no DOC para os servidores acompanharem as taxas oferecidas pelos Bancos , Acreditem a taxa de juros do Banco itau e menor que a oferecida pelo Banco do Brasil, desculpe a burrice, pra que exclusividade , não bastava o BB oferecer a melhor taxa do mercado, o servidor não e burro, ou acham que e....

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  2. Prezado Anônimo,

    No Estado do Rio Grande do Norte aconteceu o mesmo: com uma penada (Decreto nº 21.399, de 16.11.2009), a Governadora, de forma despótica, eliminou a concorrência e favoreceu o Banco do Brasil.

    Seja na administração federal, estadual ou municipal, o interesse dos dirigentes é um só: levar vantagem (pessoal, é claro). Sob uma falsa aparência de paternalismo (atitude típica de ditadores), vale tudo na busca de contrapartidas para projetos políticos (ou financeiros) pessoais.

    O fato é que os servidores, através de seus sindicatos ou associações, deveriam se mobilizar para buscar, na justiça, a liberdade de contratação que lhes tem sido suprimida.

    Até quando essa palhaçada vai continuar??

    Roberto

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  3. Anônimo23/1/10

    Prezado Roberto,

    Agora é oficial, o Kassab deu a sua penada, (DECRETO Nº 51.198, DE 22 DE JANEIRO DE 2010, rescindiu os convênios com os Bancos Privados e pasme, não poupou ninguém, sequer a CEF que é um Banco Oficial.

    Isto deixa claros a EXCLUSIVIDADE , PATERNALISMO e os INTERESSES OBSCUROS.

    No ultimo dia 15/01 o Kassab anunciou através de uma reunião na sede do BB a centralização dos serviços, no dia seguinte foi publicado o Despacho do Kassab oficializando o acordo :

    Trechos do Despacho...

    ....Considerando a orientação constitucional a recomendar a utilização de bancos oficiais para a prestação de serviços financeiros e bancários, medida que concorre para a garantia do primado dos princípios consagrados no artigo 37 da Constituição da Republica Federativa do Brasil.

    Como pode evocar o artigo 37 da Constituição Federal e não segui-lo??

    A Caixa Econômica Federal (CEF) é um Banco Oficial, porque a deixou de fora??

    Para quem não conhece o PRIMADO artigo 37 da Constituição:

    "O artigo 37 da Constituição Federal de 1988, elenca os princípios inerentes à Administração Pública, que são: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A função desses princípios é a de dar unidade e coerência ao Direito Administrativo, controlando as atividades administrativas de todos os entes que integram a federação brasileira (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)."

    Ontem 22/01, li no D.O.C que o Lula e o Serra ganharam uma medalha do Kassab, a "Medalha 25 de Janeiro" homenagem e reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à Cidade de São Paulo.

    Acho que o nosso Prefeito Gilberto Kassab e sua Assessoria Jurídica também merecem uma medalha pelo grande feito aos 220 mil servidores do Município de São Paulo.

    Que belo “Presente de Grego” no aniversario de São Paulo.

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  4. Meu caro amigo,

    Ao citar a tal “orientação constitucional”, creio que o despacho do prefeito se São Paulo só pode estar se referindo ao § 3º do art. 164, que diz: “As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no banco central; as dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei.” Fora isso, não há, na Constituição Federal, qualquer outra menção à aplicação de recursos públicos em bancos.

    Em verdade, o prefeito parece ser juridicamente muito mal assessorado, além de se valer de uma interpretação fajuta da Constituição para enrolar o funcionalismo e encobrir uma decisão de gabinete, combinada com o Banco do Brasil. Explico melhor: é questão incontroversa que o pagamento de salário, remuneração, aposentadorias e pensões dos servidores não pode ser confundido com disponibilidade de caixa do ente público, pois quando a Fazenda efetua o depósito desses valores, eles deixam de ser “disponibilidades” para pertencerem a terceiros. Os valores depositados a título de salário nas contas dos servidores são despesa liquidada. Não há, pois, nenhum dispositivo constitucional que obrigue o poder público a depositar o salário do funcionalismo em bancos públicos. Essa questão já foi inclusive pacificada no Supremo Tribunal Federal.

    Se concentrar a folha de pagamento sem licitação em uma única instituição, ainda que se trate de um banco público, já é abusivo, mais absurda ainda é a posição do prefeito em fazer cortesia com o chapéu alheio, ao julgar que tem pode retirar do servidor o direito de escolha e avocar para si o poder de determinar em que banco ele deve tomar empréstimo. A folha de pagamento do município de São Paulo, como de resto a de qualquer outro órgão público, não pode ser utilizada como ferramenta política para obtenção de vantagens pelo ente pagador, em detrimento daqueles que recebem os salários.

    Caso os servidores municipais prefiram adotar o silêncio e a omissão como resposta, lembre-se das palavras de Bertold Brecht:

    “O pior analfabeto é o analfabeto político.
    Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
    Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
    O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo”.

    Um abraço.

    Roberto

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