31 de dez. de 2009

HISTÓRIA: Cap. 6 - 1938 a 1949 – O Decreto 312

Com a edição do Decreto 312, em 3 de março de 1938, o governo de Getúlio Vargas pretendeu eliminar as muitas falhas observadas na disciplina do Decreto 21.576/32, decorrentes, como já visto, da imprevidência do Estado, “... que confiou no tino econômico dos seus servidores e pensionistas, na honestidade dos que estariam sob sua proteção legal, emprestando dinheiro a juros, e na eficiência da fiscalização oficial contra os faltosos”.

As alterações, profundas e radicais, alcançaram apenas o pessoal civil (as regras atinentes aos militares seriam editadas oito meses depois). Pela nova ordem, os descontos admissíveis na folha de pagamento foram permitidos apenas os efetuados em prol das entidades oficiais. A partir de então, somente figurariam como entidades consignatárias, para fins de consignações facultativas (dentre as quais os empréstimos), o Instituto Nacional de Previdência e as caixas econômicas federais e as caixas oficiais de aposentadoria e pensões, estas apenas nas operações com seus contribuintes. Observe-se, a propósito, que a denominação Instituto Nacional de Previdência foi dada ao Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União em 1934. Na data da edição do Decreto-lei nº 312, o Instituto Nacional de Previdência já havia sido incorporado ao recém criado Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE, conforme art. 51 do Decreto-lei nº 288, de 23 de fevereiro de 1938.

Eliminou-se também a possibilidade de se descontar em folha de pagamento as contribuições para beneficência e as mensalidades das associações, bem assim os valores referentes às aquisições de mercadorias e gêneros de primeira necessidade, feitas junto àquelas entidades. Como consignações compulsórias, foram admitidas as quantias devidas à Fazenda Nacional, as contribuições para montepio, pensão ou aposentadoria, desde que fossem para instituições oficiais, as contribuições fixadas em lei a favor da Fazenda Nacional e as cotas de subsistência de cônjuge ou filhos, determinada em sentença judiciária.


Mereceu especial destaque a criação de disciplinas reguladoras do trabalho dos funcionários dos serviços de pessoal, aos quais foi expressamente vedado prestar esclarecimentos a quaisquer pessoas, inclusive representantes de consignatários, sobre matéria relativa às consignações em folha, exceto se a manifestação ocorresse nos autos de processo administrativo ou quando tal medida derivasse de suas atribuições oficiais. Aos servidores encarregados das consignações foi vedado, outrossim, “prestar serviços, mesmo fora das horas de expediente, ainda que gratuitamente, aos consignatários”. Ademais, foi determinado que o processamento das averbações se fizesse “... com observância rigorosa da ordem cronológica de recebimento dos contratos nos Serviços de Pessoal, sendo terminantemente proibida a interferência de terceiros, inclusive de procuradores”. Os funcionários que infringissem as disposições da novel legislação, antes sujeitos à leniência das penalidades até então cominadas, expunham-se agora às penas de suspensão de 30 a 90 dias ou demissão.


Esse conjunto de regras evidencia, de forma eloquente, os padrões de comportamento que se queria coibir, e que, portanto, constituíam prática comum no dia-a-dia do funcionalismo. No bojo dessas normas com ambição moralizadoras, chama atenção também o artigo 9º do Decreto-lei nº 312, dispondo sobre a vedação de os consignatários contribuírem, direta ou indiretamente, com qualquer importância para os serviços relativos às consignações. Alguns desses dispositivos mostram-se paradoxais à primeira vista. Considerando que novos comandos normativos objetivam a regulação de procedimentos futuros, tais regras deveriam, pelo menos em tese, dirigir-se apenas aos consignatários recém admitidos: instituições integrantes da própria estrutura governamental. Afinal, aos servidores das áreas de pessoal das repartições não se presumiria a prestação de serviços voluntários a outros entes públicos. Por seu turno, aos novos consignatários (entes públicos, repita-se) não ocorreriam razões que justificassem qualquer contribuição financeira aos setores responsáveis pelos serviços relativos às consignações, quer pela ausência de dotação orçamentária para tanto, quer pela reserva de mercado que a partir de então lhes era consagrada. Conclui-se, assim, que o principal escopo dessas regras era o de traduzir, ainda que de forma dissimulada, uma das razões determinantes das mudanças: a falta de honestidade das associações e caixas beneficentes, aludida nos estudos do Conselho Federal do Serviço Público Civil.


Para ampliar o combate à agiotagem que consumia o salário dos servidores públicos, o governo proibiu que os proventos fossem recebidos por terceiros, mediante procuração, salvo em caso de moléstia comprovada por atestado médico, com a firma reconhecida, sendo a procuração expressamente restrita ao período da moléstia. Ainda assim, o procurador não poderia ser funcionário, extranumerário ou inativo, salvo se o interessado fosse parente em até segundo grau do outorgante. A procuração era o instrumento que garantia aos agiotas o acesso direto aos salários dos funcionários, assegurando-lhes o recebimento de seus haveres. Nos dias atuais, um mecanismo muito utilizado por agiotas para a garantia de seus créditos consiste na retenção do cartão de débito bancário dos servidores.


A desoneração dos proventos do funcionalismo contou ainda com duas outras medidas: a redução para 30% do percentual máximo de consignações sobre os salários, antes fixado em 40%, e a limitação dos juros sobre os empréstimos a 12% ao ano, independentemente do prazo de amortização pactuado. As parcelas dos contratos de empréstimo em vigor tiveram que ser adaptadas à nova regra, reduzindo-se em 25%. Sobre os saldos devedores dos empréstimos foi imposta a revisão dos encargos financeiros, que tiveram que ser adequados ao limite de 12% ao ano. Para essa relativização do princípio absoluto do pacta sunt servanda, tal como consagrado no então vigente Código Civil de 1916, o governo amparou-se na necessidade de proteger o interesse social.


Como arremate, os novos consignatários foram estimulados a privilegiar propostas objetivando a quitação dos contratos celebrados com as associações de servidores e caixas beneficentes, e foram canceladas todas as averbações correspondentes a mensalidades e contribuições. As regras aplicáveis ao pessoal militar foram divulgadas em 5 de novembro de 1938, com o Decreto-lei nº 832 praticamente repetindo as disposições atinentes aos servidores civis, incluindo a redução do teto de consignação para 30%. Além dos estabelecimentos oficiais (nos quais se incluíam as Caixas de Construção de Casas dos Ministérios da Guerra e da Marinha e a Previdência dos Sub-Tenentes e Sargentos do Exército), foram admitidas como consignatários para fins de empréstimo, associações de classe (Clube Militar, Clube Naval, Associações dos Sub-Oficiais da Armada e a Caixa Beneficente dos Sargentos da Marinha). A determinação de revisão de encargos também se estendeu aos militares, inclusive retroagindo seus efeitos a 3 de março de 1938.


Promulgado em 28 de outubro de 1939, o novo Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Decreto-lei nº 1.713), ao tempo em que encarregava lei futura da regulação das operações mediante desconto em folha de pagamento dos servidores por ela abrangidos, ratificava o regime restritivo de concessão do Decreto-lei nº 312, no sentido de limitar às entidades oficiais a faculdade de oferecer empréstimos aos funcionários públicos. A pretendida regulação ainda aguardou pouco mais de dez anos para vir à luz, o que somente ocorreu em 2 de janeiro de 1950, com a promulgação da Lei nº 1.046.


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