3 de dez. de 2009

Deu no Fantástico


A edição de 15.11.2009 do programa Fantástico, da Rede Globo, deu destaque a um tipo de fraude envolvendo operações de empréstimos consignados.

De acordo com a reportagem, No Brasil, desde o começo deste ano, mais de quatro mil aposentados reclamaram de empréstimos que dizem não ter feito. Até agora, o INSS já comprovou que 1.011 eram mesmo fraude. A aposentada Maria Ozélia Bezerra questiona: “Porque, como é que faz o empréstimo no nome da pessoa sem a gente dar os documentos?” A pergunta de Dona Ozélia foi o ponto de partida para a investigação da reportagem. Afinal, como é que esses empréstimos são feitos sem que o aposentado assine qualquer documento? O delegado Abílio Pereira explicou que “... diversas são as modalidades para enganar os idosos, mas a que mais tem preocupado a polícia é a compra por estelionatários de dados cadastrais que deveriam pertencer exclusivamente aos órgãos federais encarregados de darem assistência aos idosos”. Ou seja: os bandidos usam dados do próprio INSS. A reportagem localizou um vendedor das listas em Belo Horizonte através de um site na internet, e comprou uma lista com dados de aposentados da cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul, por R$ 200. Para ter certeza de que as informações eram mesmo verdadeiras, consultou o site do INSS (tudo conferiu). Com essas informações, os bandidos falsificam documentos e fazem a dívida em nome dos aposentados. No centro de Porto Alegre, o repórter localizou um falsário e encomendou a ele uma carteira de identidade em nome de uma das pessoas da lista de aposentados da cidade de Canoas. Com a falsificação, de acordo com a polícia, um criminoso poderia ter conseguido um empréstimo consignado em nome do aposentado da lista.

O presidente do INSS, Valdir Simão, admitiu o problema e afirmou que o órgão estaria tomando providências para investigar a autoria, a origem desse banco de dados e também quem está comercializando. Disse ainda que se houve uma fraude o banco tem que devolver rapidamente o dinheiro corrigido pela Selic ao segurado, sob pena do contrato ser suspenso e não poder mais fazer empréstimos consignados.

Num momento inicial, as vítimas seriam os aposentados e pensionistas, de quem são descontadas as parcelas dos empréstimos. Ao final, as vítimas seriam os bancos que concedem tais créditos, obrigados a devolver o dinheiro indevidamente descontado dos aposentados e ainda arcando com o prejuízo total do valor emprestado. Mas afinal, seriam os bancos, de fato, vítimas ou vilões?

Percebi que a reportagem omitiu uma questão crucial para que fraude dessa natureza possa ser perpetrada: onde são feitos esses empréstimos? Inicialmente, é fato que qualquer fraude é extremamente facilitada quando se descura do cuidado na identificação do cliente. Afinal, a segurança é o fator primordial do crédito.

A Folha Online, em matéria de 25.11.2009, informou:

O banco BMG lidera o ranking das instituições que mais têm sido alvo de reclamações de aposentados e pensionistas envolvendo irregularidades em empréstimos consignados. A lista foi divulgada pela diretora adjunta de Benefícios do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), Ana Adail, durante a reunião do CNPS (Conselho Nacional de Previdência Social). O levantamento foi feito entre janeiro e setembro deste ano. Atrás do BMG, que tem 2804 reclamações – das quais 1271 foram consideradas procedentes, envolvendo ou não fraudes –, ficou o BMC, com 1.369 reclamações, das quais 556 consideradas procedentes, também envolvendo ou não os casos de fraude. Em seguida está o Bonsucesso, com 974 reclamações, das quais 437 procedentes, e o Cruzeiro do Sul, com 681 queixas (230 procedentes). O quinto banco da lista é o GE Capital com 600 reclamações, das quais 230 consideradas procedentes, envolvendo ou não fraudes, e o sexto é o banco Schahin, com 559 reclamações (244 procedentes). O banco Votorantin recebeu 519 reclamações. Destas 298 foram avaliadas como procedentes. Já o Pine teve 384 reclamações (113 procedentes). Em nono lugar está o banco Panamericano, com 368 queixas, (115 procedentes). E em décimo está o banco Industrial, com 303 reclamações, das quais 159 consideradas procedentes, envolvendo ou não casos de fraude. ‘Precisamos banir desse tipo de serviço os bancos que encabeçam essa lista’, sugeriu a representante da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas, Josepha Theotônia de Britto. ‘Estamos buscando uma parceria com o Banco Central, visando justamente aplicar algum tipo de punição a eles’, respondeu a diretora do INSS. Segundo o diretor do Sindicato Nacional dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas, Jerônimo Rodrigues, muitos dos casos de fraudes são cometidas a partir de visitas de representantes ou supostos representantes de bancos às residências dos beneficiados”.

Vê-se que, em verdade, as fraudes são cometidas em bancos que não dispõem de uma rede significativa de agências, privilegiando o atendimento através de correspondentes bancários (empresas encarregadas da recepção e encaminhamento das propostas de empréstimo). Mas o problema não parece ser o correspondente bancário em si, mas a sua inadequada seleção por parte dos bancos.

Ávidos pelo aumento de suas receitas e pela expansão de sua participação no lucrativo mercado de crédito consignado, muitos bancos se aproveitaram das vantagens oferecidas pelas resoluções do Conselho Monetário Nacional quanto à atuação dos correspondentes bancários e estabeleceram, pela via da terceirização, pontos de venda de produtos em todos os quadrantes do país. Com isso, deixaram de investir na instalação de agências. Grande parte dos correspondentes, por sua vez, opera quase que exclusivamente com o suporte de uma rede de “pastinhas” (corretores de empréstimos autônomos), encarregados de contatar o cliente, formalizar a proposta e entregar a documentação ao correspondente. Em 2007, um diretor do BMG afirmou que “um dos segredos do sucesso do banco é a rede de distribuição de crédito espalhada em todos os estados pelo sistema de correspondentes e agentes”, rede essa que se compunha, na época, de cerca de 400 correspondentes e 40 mil agentes (pastinhas) “... que o BMG considera fiéis”.

Esse círculo vicioso, onde o correspondente e o banco não enxergam nem têm contato com o cliente, é alimentado por gordas comissões. Com um nível de descentralização que tangencia a irresponsabilidade, cometer fraudes é tão fácil que um estelionatário não precisa de listas do INSS.

Entendo que não se pode falar que as instituições financeiras sejam vítimas dessas fraudes, pois elas ocorrem na exata razão da negligência com que elas estabelecem a política de contratação e acompanhamento da atuação de seus correspondentes. Tem razão a diretora do INSS ao buscar junto ao Banco Central algum tipo de punição aos bancos. Afinal, se a Resolução 3110 prevê a total responsabilidade da instituição financeira contratante sobre os serviços prestados pela empresa contratada, inclusive na hipótese de substabelecimento do contrato a terceiros, total ou parcialmente (item I do art. 4º), essa responsabilidade deve ser efetivamente apurada e as falhas exemplarmente punidas. A mesma resolução, no item II do art. 4º, prevê a possibilidade de integral e irrestrito acesso do Banco Central, por intermédio da instituição financeira contratante, a todas as informações, dados e documentos relativos à empresa contratada, ao terceiro substabelecido e aos serviços por esses prestados. O que se depreende, todavia, é que tal poder nunca foi exercido pelo Banco Central.

Onde impera a falta de conhecimento e a ignorância de clientes, a negligência dos bancos, a falta de responsabilidade de correspondentes bancários e a passividade das autoridades, a fraude encontra o ambiente perfeito para se instalar e prosperar.

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