15 de dez. de 2009

Quem paga o pato pela falta de fidelização do correspondente


Quando da institucionalização do correspondente bancário como entidade captadora de empréstimos, a ideia prevalecente era a de sistematizar o relacionamento entre as Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento e as prestadoras de serviço que atuavam no interior das lojas cujas vendas eram por aquelas financiadas, abrangendo os serviços de encaminhamento de pedidos de financiamento, análise de crédito e de cadastro, cobrança amigável e processamento de dados das operações pactuadas (ver Resolução nº 562, de 30.08.1979). O correspondente bancário era um braço da instituição financeira nas dependências do lojista e, como tal, inadmissível imaginar-se um braço comandado por mais de um cérebro sem que entrasse em conflito com o corpo ou que, no mínimo, terminasse por quebrar tudo o que está ao seu redor. A fidelidade de um prestador de serviços ao banco contratante era imperativa.


Com o passar do tempo, a palavra fidelização deixou de fazer parte do vocabulário dos correspondentes bancários. Veja-se o caso do proprietário de uma grande empresa que atua como correspondente e que também é presidente de uma associação de correspondentes bancários: sem demonstrar nenhum pudor e até mesmo com uma ponta de orgulho, afirmou ao jornal Valor Econômico que tinha contrato com 18 instituições financeiras e que direcionava a proposta em função da competitividade de cada banco. Na mesma matéria, um executivo da ANEFAC asseverava que os agentes têm um foco muito grande na concorrência, o que leva a uma falta de profissionalismo e fidelização.


O correspondente bancário passou a ser uma espécie de supermercado financeiro, no qual o cliente teria uma infinidade de ofertas diferentes do mesmo produto (dinheiro), a preços e condições diferentes. Eu disse teria... mas o fato é que não é assim. Se um cliente entra em um bom supermercado para comprar arroz, ele terá como opções o tipo agulhinha, branco ou parboilizado. Se seu desejo for fazer um risoto, terá opções de arroz arbóreo. Poderá também optar pelo arroz integral ou até mesmo pelo arroz selvagem. Cada um é diferente do outro e tem um preço. No supermercado do correspondente, porém, ao cliente que busca crédito consignado só é ofertado um produto: dinheiro. As embalagens podem até variar, mas o produto é o mesmo: moeda corrente nacional, ou seja: o bom e não tão velho real. A forma de pagar é conhecida e o prazo máximo é igual para todos os bancos, determinado que foi pelo convênio. Assim, a única diferença é mesmo o preço. Só que, diferente do que ocorre no supermercado, no correspondente bancário o cliente não tem acesso à gôndola de produtos. O estoque está escondido. Resulta daí que o dono da loja venderá o produto que quiser e que, obviamente, será aquele que lhe proporciona maior lucro. Para melhor posicionar seu produto na gôndola do supermercado do correspondente, o banco passa a oferecer ao correspondente-comerciante comissões cada vez mais elevadas, além de bônus. E o cliente? Ora, o cliente...


Se já não existe fidelização dos correspondentes, como esperar outro comportamento dos pastinhas? Se de uma empresa com contrato assinado não se cobra fidelidade, parece absurdo imaginar a existência de fidelidade de uma pessoa física sem nenhum vínculo com o correspondente ou com a instituição financeira. Existe um correspondente bancário que, em seu site, divulga o banco que está pagando as melhores comissões, induzindo os pastinhas a empurrarem contratos daquele banco. Singela e inocente mensagem...


Para realmente estimular a concorrência e favorecer o público tomador de crédito, a fidelização do correspondente ao banco deveria ser obrigatória, como nas franquias. O Paraná Banco, paralelamente à sua operação com correspondentes, partiu para a adoção de um modelo de franquia. Os pontos de venda têm a cara do banco e só comercializam produtos do banco. É quase o caso das agências lotéricas (só que estas, além de prestar serviços para a Caixa Econômica Federal, vendem telesena do Sílvio Santos e algumas até já fazem jogo do bicho). Para que a fórmula da fidelização funcione, no entanto, o contrato deve ter regras claras quanto à alteração nos parâmetros de remuneração do franqueado, não se admitindo que fique apenas ao sabor dos desejos do banco, sob pena de vulnerabilizar o franqueado e proporcionar um indesejável desequilíbrio financeiro ao contrato. Também não se pode imaginar que esse modelo abranja um único produto, como o crédito consignado: o ideal seria a oferta de uma linha mais completa de produtos, permitindo ao franqueado sobreviver em períodos de crise de um ou outro produto.


Uma das maiores angústias do correspondente bancário é ficar à mercê do humor dos executivos dos bancos, que, para atingir suas metas e auferir maiores bônus, não hesitam em reduzir as comissões dos correspondentes. Em um modelo de exclusividade, presenciei correspondentes que aceitavam qualquer migalha de comissão apenas para não fecharem as portas, submetendo-se ao banco tal qual Maquiavel perante Lourenço de Médici ao oferecer sua obra “O Príncipe”: “E se Vossa Magnificência, desde os píncaros de sua elevada posição, baixar alguma vez seu olhar sobre estes lugares humildes, saberá o quanto eu, de forma imerecida, padeço uma desmedida e contínua adversidade do destino”.


Não precisamos de leis para estabelecer os termos que regerão os contratos entre particulares: entendo que cada um é responsável por adotar as cautelas necessárias para que as cláusulas contratuais espelhem fielmente as negociações feitas. Mas os nossos legisladores não conseguem resistir à tentação de se meter nos negócios dos outros, travestindo-se de “oniprentes-protetores-dos-explorados-pelo-capital”. O Projeto de Lei Complementar nº 385/2008, de autoria do Deputado Beto Mansur (PP/SP) e ainda em tramitação na Câmara dos Deputados, estabelece que o serviço de correspondente bancário “não poderá ter como condição de contratação, renovação ou continuidade do ajuste, qualquer cláusula ou disposição exigindo exclusividade do correspondente bancário, inclusive em relação à bandeira de instituição financeira ou cartão de crédito, marcas, produtos ou serviços, da contratante ou de qualquer outra pessoa natural ou jurídica”. O nobre deputado excluiu até mesmo a possibilidade de as partes resolverem, de comum acordo, estabelecer um pacto de fidelidade.


O final da história é previsível: quem paga o pato é o cliente. Ao pretendente a crédito sequer é dado o direito de escolher o banco: tem mesmo é que fechar contrato com o BGD (banco goela à dentro), aquele imposto pelo pastinha ou pelo correspondente. Assina documentos em branco, não recebe cópia do contrato e fica sem saber nem mesmo quanto vai pagar de juros. Isso é que sigilo bancário!


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