11 de dez. de 2009

Consignatários no SIAPE e os desacertos do gestor do sistema


Ao regulamentar as consignações em folha de pagamento no âmbito do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (SIAPE) pelos Decretos nº 6.386, 6.574 e 6.967, o Governo Federal admitiu como consignatárias, para fins de empréstimos consignados aos servidores públicos civis, dos aposentados e dos pensionistas da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo da União:
a) Cooperativas de crédito (inciso VIII do art. 4º);
b) Entidades bancárias, caixas econômicas ou entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação (inciso IX do art. 4º);
c) Entidades abertas ou fechadas de previdência privada (inciso X do art. 4º); e
d) Companhias imobiliárias integrantes da administração pública indireta da União, Estados e Distrito Federal.

No que diz respeito às prestações de empréstimos ou financiamentos concedidos por entidades abertas ou fechadas de previdência privada, esclareça-se que a estas se equiparam as sociedades seguradoras, sempre que observadas as disposições do art. 36 e parágrafo único da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001:

Art. 36 - As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e têm por objetivo instituir e operar planos de benefícios de caráter previdenciário concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a quaisquer pessoas físicas.

Parágrafo único. As sociedades seguradoras autorizadas a operar exclusivamente no ramo vida poderão ser autorizadas a operar os planos de benefícios a que se refere o caput, a elas se aplicando as disposições desta Lei Complementar”. (grifamos).

Em razão mesmo disso, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, ao disciplinar tais operações na Circular SUSEP nº 320, de 02.03.2006, não efetuou qualquer distinção entre as entidades de previdência e as sociedades seguradoras. Nessa linha de raciocínio, muito embora o art. 4º, inciso X, do Decreto nº 6.386 tenha se referido apenas a “empréstimo ou financiamento concedido por entidade aberta ou fechada de previdência privada”, a norma regulamentadora (Portaria Normativa nº 5, de 08.10.2008, da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão) em boa hora esclareceu o efetivo alcance do decreto, ao admitir o desconto de prestação referente a empréstimo ou financiamento concedidos por entidade aberta ou fechada de previdência complementar ou sociedade seguradora autorizada a instituir planos de previdência complementar aberta, em conformidade com o disposto no parágrafo único do art. 36 da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001”.

Observe-se, contudo, que o parágrafo único do art. 36 da Lei Complementar nº 109 refere-se às sociedades seguradoras autorizadas a operar exclusivamente no ramo vida. Ainda assim, foram admitidas como consignatárias seguradoras que não atuam com exclusividade no ramo vida, como foram os casos da Panamericana de Seguros S.A. (DOU de 13.06.2008, Seção 3, pág. 134), da Alfa Seguradora S.A. (DOU de 11.09.2008, Seção 3, pág. 108) e da Chubb do Brasil Companhia de Seguros (DOU de 06.11.2008, Seção 3, pág. 146).

Sobre as “entidades bancárias ou caixas econômicas”, mencionadas no inciso IX do art. 4º do Decreto nº 6.386 (com a redação do Decreto nº 6.967), é relevante delimitar o alcance da expressão no texto legal. De acordo com o Banco Central do Brasil, o conceito de instituição financeira alcança dois grupos de entidades:

a) as captadoras de depósitos à vista, capazes de multiplicar moeda (bancos comerciais, bancos múltiplos com carteira comercial, cooperativas de crédito e Caixa Econômica Federal);


b) as que não captam depósitos à vista (agências de fomento, associações de poupança e empréstimo, bancos múltiplos sem carteira comercial, bancos de câmbio, bancos de desenvolvimento, bancos de investimento, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, companhias hipotecárias, cooperativas centrais de crédito, sociedades de crédito imobiliário, sociedades de crédito ao microempreendedor e sociedades de crédito, financiamento e investimento).


Sidnei Turczyn, em seu livro “O sistema financeiro nacional e a regulação bancária”, ensina que “examinando apenas o mercado monetário, ... encontramos a crítica de Nélson Abrão de que a Lei 4.595/1964 não faz distinção entre a espécie – banco – e o gênero – instituição financeira –, o que se faz necessário. Sustenta ele que, segundo posição pacífica da doutrina, a distinção entre banco e instituição financeira se opera segundo a natureza dos fundos dos quais dispõem esses dois tipos de organismos para operar. Apenas os bancos podem receber fundos do público, de maneira habitual, e utilizá-los por sua própria conta. As demais instituições financeiras poderiam receber do público os fundos, porém não poderiam utilizá-los por sua própria conta, agindo apenas como intermediárias, corretoras ou comissárias”. Mais adiante, Turczyn arremata: “Vê-se, assim, a confirmação da afirmação de Nélson Abrão, antes mencionada, de que o fator que diferencia as diversas espécies de instituições financeiras é a origem dos recursos intermediados. Assim também, em decorrência da classificação acima referida, vê-se que ‘banco’, na acepção comum do termo, é aquele caracterizado por operar com a carteira comercial, ou seja, captando depósitos à vista”.


Tudo indica que essa tenha sido a linha seguida pelo Ministério do Planejamento. Prova disso é que o órgão indeferiu as solicitações de cadastramento efetuadas pela Intermedium Crédito, Financiamento e Investimento e pela Bancred S.A. Crédito, Financiamento e Investimento, sob o argumento de falta de previsão legal e não enquadramento no inciso IX do art. 4º do Decreto nº 6.386 (ver DOU de 16.12.2008, Seção I, pág. 139).


Ora, a possibilidade de uma instituição financeira conceder crédito pessoal depende de que tal modalidade esteja inserida no elenco das operações permitidas pelo Conselho Monetário Nacional ao tipo de sociedade. Assim, dentre as instituições financeiras autorizadas a realizar as operações de crédito pessoal estão os bancos comerciais, os bancos múltiplos com carteira comercial ou de crédito, financiamento e investimento, as cooperativas de crédito, a Caixa Econômica Federal e as sociedades de crédito, financiamento e investimento. A nenhum outro tipo de instituição financeira se permite a concessão de crédito pessoal, que, por definição, é uma espécie de crédito direto ao consumidor, ainda que sem destinação específica. Não há nenhuma razão que justifique a exclusão das sociedades de crédito, financiamento e investimento do elenco de instituições autorizadas a obterem credenciamento junto ao Ministério do Planejamento para fins de concessão de empréstimos consignados aos servidores públicos do Poder Executivo, a não ser o desconhecimento do funcionamento do Sistema Financeiro Nacional. Tanto é assim que todas as demais entidades a que o Banco Central admite conceder crédito pessoal estão contempladas como possíveis consignatárias.


Demonstrando coerência apenas nas incoerências, o Ministério do Planejamento acatou o pedido da BRB Crédito, Financiamento e Investimento S/A, conforme de vê no DOU de 28.04.2008, Seção I, pág. 109, muito embora tenha indeferido os pleitos da Bancred e da Intermedium pelo fato de considerar que sociedades de crédito, financiamento e investimento não se incluem entre as entidades bancárias. Considerando que o Conselho Monetário Nacional é integrado pelos titulares do Banco Central, Ministério da Fazenda e Ministério do Planejamento, não custava nada a turma deste último ter mais humildade e buscar aprender um pouco mais com o pessoal do BC.


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