7 de dez. de 2009

HISTÓRIA: Cap. 1 - A César o que é de César



Disse Winston Churchill que "a mentira roda meio mundo antes de a verdade ter tido tempo de colocar as calças". Há que se concordar.

Com a popularização dos empréstimos consignados em folha de pagamento no Brasil, muito se especulou sobre a gênese dessa modalidade de crédito. Nesse sentido, foram recorrentes as manifestações de setores políticos e técnicos aplaudindo a iniciativa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de supostamente ter criado o crédito consignado, no contexto do que se denominou de “política de crédito para os pobres”. Veja-se, por exemplo, a afirmação do ex-ministro do governo Lula, Ricardo Berzoini, ao jornal Folha de São Paulo, por ocasião das comemorações do Dia do Trabalhador de 2006, ao comentar a decisão do governo de “... criar uma modalidade de crédito para reduzir os juros”.

A mesma linha foi seguida pelo economista Antonio Prado, em entrevista publicada no portal eletrônico do Partido dos Trabalhadores, que atribuiu o crescimento econômico promovido pelo governo Lula a uma conjunção de fatores, “... desde a ampliação do saldo comercial, até a ampliação do crédito, que subiu de 8 a 9 pontos do PIB durante o governo Lula, passando pela criação do crédito consignado”.

Matéria publicada no jornal O Globo de 24 de novembro de 2006 afirmou que “a criação do crédito consignado, com desconto em folha de pagamento e juros bem mais baixos do que os das linhas tradicionais, estimulou os brasileiros a tomarem empréstimos de valores mais elevados”.

Renomados e insuspeitos especialistas da área de finanças não se furtaram a alimentar a versão. Citado pelo jornal O Povo de 22 de janeiro de 2007, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega foi enfático ao afirmar que “... no governo Lula, a criação do crédito consignado tem contribuído para a redução na taxa de juros”.

O diretor jurídico da Federação Brasileira das Associações de Bancos – FEBRABAN, Johan Albino Ribeiro, também não resistiu à tentação de outorgar ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a paternidade do crédito consignado, ao afirmar, em artigo publicado no Espaço Jurídico Bovespa em janeiro de 2006, ao dizer que “... nenhuma iniciativa foi tão efetiva quanto a criação do Crédito Consignado, por meio da Medida Provisória 130/03, imediatamente convertida pelo Congresso Nacional na Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003” (ver em Crédito consignado, estabilidade e segurança jurídica, em http://www.bovespa.com.br/Investidor/Juridico/060103NotA.asp).

Nem o Presidente Lula resistiu à tentação de colocar um troféu em sua própria cabeça. Em discurso de 27.03.2009, na inauguração do Banco Azteca, Lula alardeou: “Uma outra coisa no Brasil, Ricardo, era que pobre não podia tomar dinheiro emprestado, nem pobre, nem jubilados. As pessoas que estavam jubiladas não podiam tomar dinheiro emprestado porque ganhavam pouco e não tinham acesso ao banco. Nós criamos o crédito consignado, o crédito com desconto em folha, e isso foi um sucesso extraordinário, porque, em pouco tempo, nós chegamos a quase 50 milhões de reais de empréstimos”. Se Lula é “o filho do Brasil”, o crédito consignado seria então “o neto do Brasil”?

O ex-ministro Antonio Palocci acha que não, pois atribui a si a paternidade. Sem nenhuma modéstia, escreveu no seu site: “Para atender a um pedido do próprio presidente Lula e das Centrais Sindicais para que o trabalhador tivesse crédito mais barato, o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, criou, em 2003, o Crédito Consignado” (http://www.palocci.com.br/ministro_05. php). Ou seja: o avô encomendou um neto.



Alguns poucos foram um pouco mais longe no tempo (e na imaginação), ao assegurar que a gênese do crédito consignado em folha de pagamento é fruto do lampejo criativo de uma instituição financeira em particular. É o que se lê no Informativo da EFC – Engenheiros Financeiros & Consultores, de 14.09.2007, que outorga a paternidade dessa modalidade de crédito ao Banco BMG (veja em www.efc.com.br/editoriais/EconomiaBrasileira/14set2007.htm). Lá se pode ler que “essa modalidade de empréstimo surgiu por volta de 1999, quando um banco criou empréstimos para funcionários públicos com o desconto automático das prestações a pagar na folha de pagamentos dos empregados”. Em nota de rodapé, o BMG é citado como sendo “o pai da criança”.

Outros situam no governo Geisel as primeiras operações de empréstimos consignados em folha de pagamento, afirmando que “a consignação em folha de pagamento dos servidores públicos ativos e inativos surgiu com a Lei nº 6.445, de 4 de outubro de 1977, regulamentada pelos Decretos n. 86.600, de 17 de novembro de 1981, e 90.641, de 10 de dezembro de 1984, o qual altera o art. 4º do Decreto nº 86.600, de 17 de novembro de 1981”. É o que se vê na página 36 do prospecto preliminar de distribuição pública de quotas sênior do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios BGNPREMIUM I – Crédito Consignado, de 7 de dezembro de 2006.

O fato é que, sem retirar do governo Lula o mérito de ter oxigenado e popularizado essa modalidade de crédito, não se lhe pode atribuir qualquer atitude inovadora, nem mesmo no que se refere às operações com aposentados e pensionistas da previdência oficial ou aos empregados do setor privado. O nascedouro do crédito consignado também passa longe das áreas de produto das modernas instituições financeiras. Respondendo por mais da metade do saldo das operações de crédito pessoal ao final de 2009, as operações de empréstimo com desconto em folha de pagamento têm suas origens na mente de um modesto funcionário público, no alvorecer da República, ao final do século XIX. Essa ideia, que mereceu o aval de Ruy Barbosa e foi sancionada pelo Marechal Deodoro da Fonseca, desde então vêm sendo utilizada, com maior ou menor frequência, pela classe do funcionalismo público, e, cada vez mais, pelos trabalhadores da iniciativa privada. Mas isso será visto mais tarde...

Nenhum comentário:

Postar um comentário